sexta-feira, dezembro 01, 2006
Uma canção para Alaor - por Rodrigo Pinto
Eram 16 horas e Alaor estava sentado em frente ao computador, na redação do tablóide sensacionalista em que trabalha, tentando terminar sua coluna para entregar até o final da tarde, mas não conseguia se concentrar.
Calor desgracento, que deixava a testa gordurenta, e fazia o suor brotar detrás da orelha. Ele aforuxava a gravata manchada de café e enxugava a o rosto com a palma da mão, enquanto a outra segurava um cigarro. O clima modorrento do local contribuía para a falta de inspiração. Alaor bufava, e agitado, mexia-se na cadeira. Dava mais um trago no cigarro e tamborilava os dedos na mesa. Foi quando ele ouviu. Levantou a cabeça e prestou atenção, como um cão que levanta as orelhas. Eram vozes. Distantes, mas com certeza milhares de vozes. Uma multidão. Pareciam cantar alguma coisa. Alaor espichou o pescoço pro alto, e olhou para o nada. Queria ouvir melhor. O que diziam as vozes? Bem lá no fundo, conseguiu entender. Realmente era uma canção. Uma marchinha de caranaval, que ele particularmente odiava, afinal faziam trocadilho com seu nome toda vez que ela tocava: " Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or", de novo : Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" .
Alaor teve ódio. Desde criança, detestava aquela musiquinnha, aquele trocadilho ridículo era motivo de sarro dos colegas. Lembrou-se de sua infância na periferia paulistana, o calor de fevereiro, e ao chegar na escola, seus amiguinhos gritavam : Olha o Alaor!!! Ele tentava correr, mas as crianças o cercavam, davam as mãos e cantavam : "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" , e riam, riam muito do pobre do Alaor. Batiam na sua cabeça e chutavam seu traseiro, cantando : "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or". Malditas crianças!
Ele levantou-se de um pulo da sua cadeira, derrubando o cigarro no tapete. As vozes continuavam a cantar. Ele foi até a janela, abriu-a e procurou de onde vinha a cantoria. Não viu nada, além de prédios cinzas e carros acelerando. Pessoas caminhando e ambulantes vendendo merda. Fechou o vidro com uma batida, e foi conferir os colegas de redação, só podia ser sacanagem de algum deles. Viu o Moacir, lendo o jornal. "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" , olhou para o Fred, que estava tomando café junto com o Eusébio. "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or". Foi até o banheiro, vazio. "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" . Desesperado, corria pra lá e pra cá, procurando de onde vinha a maldita melodia. Correu entre as mesas, derrubando canetas e papéis. Os amigos olhavam espantados. Alaor abira gavetas, batia as portas dos armários, revirava cestos de lixo. "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" . Alaor suava e abria as cortinas, levantava o tapete, fuçava na terra dos vasos de flores. Onde estavam os malditos? Aos poucos as vozes foram ficando mais altas, e Alaor descontrolado, tapava os ouvidos, lembrando os traumas de infância. "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" . Correu para as escadas e desceu os degraus de dois em dois. Passou pela portaria do prédio, tapando os ouvidos e sacudindo a cabeça, as vozes agora praticamente gritavam nos seus ouvidos. "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" O sol do final de tarde ofuscou seus olhos quando alcançou a rua, e ele não percebeu que ia para o meio da avenida. Um ônibus em alta velocidade acertou Alaor em cheio, jogando-o a metros de distância. Silêncio. Os curiosos se aglomeravam, e viam o homem ali caído, com as duas mãos no ouvido, e um sorriso no rosto.
Alaor acordou no hospital, meses depois.
Não ouvia mais canção alguma, então sorriu mais uma vez. Silêncio do hospital. Cheiro de flores. Finalmente paz. Tentou se mexer e não podia. Nem braços, nem pernas, nada além do pescoço. Ouviu os passarinhos cantando do lado de fora, e acompanhou o ritmo dos assovios com a cabeça pra lá e pra cá ."Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" ...
Calor desgracento, que deixava a testa gordurenta, e fazia o suor brotar detrás da orelha. Ele aforuxava a gravata manchada de café e enxugava a o rosto com a palma da mão, enquanto a outra segurava um cigarro. O clima modorrento do local contribuía para a falta de inspiração. Alaor bufava, e agitado, mexia-se na cadeira. Dava mais um trago no cigarro e tamborilava os dedos na mesa. Foi quando ele ouviu. Levantou a cabeça e prestou atenção, como um cão que levanta as orelhas. Eram vozes. Distantes, mas com certeza milhares de vozes. Uma multidão. Pareciam cantar alguma coisa. Alaor espichou o pescoço pro alto, e olhou para o nada. Queria ouvir melhor. O que diziam as vozes? Bem lá no fundo, conseguiu entender. Realmente era uma canção. Uma marchinha de caranaval, que ele particularmente odiava, afinal faziam trocadilho com seu nome toda vez que ela tocava: " Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or", de novo : Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" .
Alaor teve ódio. Desde criança, detestava aquela musiquinnha, aquele trocadilho ridículo era motivo de sarro dos colegas. Lembrou-se de sua infância na periferia paulistana, o calor de fevereiro, e ao chegar na escola, seus amiguinhos gritavam : Olha o Alaor!!! Ele tentava correr, mas as crianças o cercavam, davam as mãos e cantavam : "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" , e riam, riam muito do pobre do Alaor. Batiam na sua cabeça e chutavam seu traseiro, cantando : "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or". Malditas crianças!
Ele levantou-se de um pulo da sua cadeira, derrubando o cigarro no tapete. As vozes continuavam a cantar. Ele foi até a janela, abriu-a e procurou de onde vinha a cantoria. Não viu nada, além de prédios cinzas e carros acelerando. Pessoas caminhando e ambulantes vendendo merda. Fechou o vidro com uma batida, e foi conferir os colegas de redação, só podia ser sacanagem de algum deles. Viu o Moacir, lendo o jornal. "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" , olhou para o Fred, que estava tomando café junto com o Eusébio. "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or". Foi até o banheiro, vazio. "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" . Desesperado, corria pra lá e pra cá, procurando de onde vinha a maldita melodia. Correu entre as mesas, derrubando canetas e papéis. Os amigos olhavam espantados. Alaor abira gavetas, batia as portas dos armários, revirava cestos de lixo. "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" . Alaor suava e abria as cortinas, levantava o tapete, fuçava na terra dos vasos de flores. Onde estavam os malditos? Aos poucos as vozes foram ficando mais altas, e Alaor descontrolado, tapava os ouvidos, lembrando os traumas de infância. "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" . Correu para as escadas e desceu os degraus de dois em dois. Passou pela portaria do prédio, tapando os ouvidos e sacudindo a cabeça, as vozes agora praticamente gritavam nos seus ouvidos. "Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" O sol do final de tarde ofuscou seus olhos quando alcançou a rua, e ele não percebeu que ia para o meio da avenida. Um ônibus em alta velocidade acertou Alaor em cheio, jogando-o a metros de distância. Silêncio. Os curiosos se aglomeravam, e viam o homem ali caído, com as duas mãos no ouvido, e um sorriso no rosto.
Alaor acordou no hospital, meses depois.
Não ouvia mais canção alguma, então sorriu mais uma vez. Silêncio do hospital. Cheiro de flores. Finalmente paz. Tentou se mexer e não podia. Nem braços, nem pernas, nada além do pescoço. Ouviu os passarinhos cantando do lado de fora, e acompanhou o ritmo dos assovios com a cabeça pra lá e pra cá ."Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" ...
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2 comentários:
O seu texto é muito bom.
Boa sorte no blog.
HAUHAUAHUAHUAHUAUAHUHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUHAUAHAUHAUAHAUHUAHUAHAUHAUHAUHAUHUAHUAHUAHUHAUAHUAHAUHAUHAUHAUHAHAUHAUHAUAHUHAUHUHAUAHHAUHAHAUHAU
MUITOOOO BOM!
Meu preferido à partir de hj!
Ótima sacada...."Alalao-o-o-or o-o-or , mas que calo-o-o-or" ...rs
Bjos
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