sexta-feira, julho 28, 2006

Capuz

Texto de Carla Betez ( amiga do Rodrigo e do Minduin)



Como vim parar aqui?
Foi a primeira pergunta que me passou pela cabeça quando abri os olhos.
Pra falar a verdade, nem sabia se realmente abri os olhos, já que tudo aqui é escuridão.
Só depois de alguns minutos percebi um tecido cobrindo minha cabeça. Um capuz que deve ser de tecido grosso e escuro, já que não enxergo luz alguma pela trama. Ou será o ambiente que não tem luz alguma?
Ambiente. Que lugar é esse?
Sinto um cheiro de umidade, não ouço som algum. Tenho medo até de me mexer e... E o que? Esbarrar em alguma coisa, me machucar? De repente cair num abismo que está logo à minha frente? Caraca.
Tento gritar, pedir por ajuda, mas só agora percebo que, pra prender o capuz, há uma corda amarrada, e bem amarrada, em volta do meu pescoço. Tão presa que quase esmaga a minha traquéia. Qualquer tentativa de gritar quase me sufoca.
Fico por alguns minutos imóvel, sem saber o que fazer e o que pensar.
Depois de algumas horas de total imobilidade, escuto um som metálico. Algo como uma tranca se abrindo, e em seguida som de dobradiças... Ufa, até que enfim alguém pra me tirar daqui!
Esboço uma tentativa de me levantar, mas logo em seguida o mesmo barulho: som de dobradiças e a tranca se fechando. Como assim, o que aconteceu? Será que só queriam se certificar que eu ainda estava aqui e me abandonaram de novo?
Preciso descobrir o que está acontecendo: onde estou? Porque estou?
Decido que vou vasculhar o lugar. Com muito cuidado, já que o abismo pode estar à minha frente...
Deito-me no chão e estico meu corpo. Com os pés toco o que creio ser uma parede. Com as minhas mãos toco a outra extremidade, e vejo que se trata de uma ambiente com paredes rústicas, só com o reboco.
Giro 90° e consigo, da mesma forma, tocar as paredes com minhas extremidades. Levando em conta que tenho 1,70 de altura, chega à conclusão que estou num cômodo com menos de 2 metros quadrados.
E de altura? Qual a metragem do pé direito deste quarto? Estico os braços pra cima. Não toco nada. Dou um pulo o mais alto que consigo. Não toco nada. Menos mal. A idéia de um pé direito baixo, mesmo que eu não possa ver, faz aflorar os meus instintos claustrofóbicos.
Mas então... Que barulho foi aquele? Decido vasculhar com mais calma o meu cárcere e, em uma das paredes, sinto uma superfície fria. Gelada como aço. Aço...Dobradiças...Descubro de que lado fica a porta. Por extinto procuro uma maçaneta. Nada. Mas percebo que na parte de baixo da porta existe uma portinhola. Será a portinhola que fora aberta quando escutei o barulho? Dou alguns passos pra trás e tropeço em algo que, pelo som, acaba de tombar...Com as mãos vasculho e percebo que, ali, atrás de mim, há um prato cheio de um líquido quente e um copo (agora emborcado) que parecia conter água. Só então percebo o que estou morrendo de sede. E de fome. Tomo o líquido que está dentro do prato, e descubro que é uma água morna, meio salgada, meio amarga, com alguma coisa sólida que parece ser alguma folhagem, talvez uma verdura. Projeto de sopa, mas que cai como uma benção no meu estômago judiado. Deve fazer um bom tempo que não como, que não bebo.
Quanto tempo será que estou aqui? Não consigo me lembrar. Não consigo me lembrar como vim parar aqui, e porquê. Puxando bem pela memória, a última coisa que lembro é eu indo dormir numa noite de quarta-feira (lembro que era quarta porque passava jogo de futebol na televisão). E, de repente, acordo num quarto pequeno, escuro, úmido, com um capuz na cabeça e um prato de sopa amarga na minha frente.
Os dias passam (decido que vou contar os dias de acordo com a refeição que me entregam, que imagino ser uma vez por dia) e nenhuma resposta.
Tento me comunicar com a pessoa que abre a portinhola pra me passar a água e a sopa, mas minhas tentativas são em vão. Ignorado totalmente.
Faz dias que não falo com ninguém, faz dias que não vejo a luz, faz dias que só escuto o barulho da tranca e da portinhola, faz dias que só como um prato de sopa amarga e bebo um copo d’água, faz dias que tento arrancar esse maldito capuz da minha cabeça, faz dias que estou perdendo minha sanidade.
Será que cometi um crime atróz e fui preso? Será que isso é um seqüestro? Será que é um pesadelo? Ou será que morri e esse é meu inferno?
E se eu me matar? Se eu não me engano nas minhas contas precárias, faz mais de um semestre que estou aqui, na minha empolgante rotina. Dorme, acorda com o prato de sopa morna, come, faz algum exercício pra não atrofiar os músculos, enlouquece um pouco, dorme de novo.
Enlouquecer. Sim, estou enlouquecendo. Será que temos consciência que estamos enlouquecendo? Ou quando achamos que a loucura passou é que estamos realmente loucos?
Decidi: vou me matar. Mas como?
Talvez de inanição. Já estou fraco mesmo, poucos dias que ficar sem comer o caldo morno já são o suficiente para eu morrer de fome. Mas deve ser tão sofrido, passei muita fome na minha infância, e não era uma sensação muito agradável.
Vou me enforcar com a corda que prende o capuz. Mas ela está tão apertada, tão rente ao meu pescoço, que fica impossível manipulá-la.
E se eu der com a cabeça na parede até conseguir um traumatismo craniano? Não, pode ser que eu só desmaie, e depois acorde com o crânio fraturado, um puta machucado na testa, um coágulo cerebral que pode talvez me causar um AVC... E tudo isso sem assistência médica. Sofrimento, é justamente disso que quero me livrar...
Acho que vou simplesmente deitar de barriga pra cima e esperar:
Esperar um raio divino que me fulmine, esperar alguém que me tire daqui, esperar eu terminar de enlouquecer de vez, esperar que esse maldito capuz seja tirado.
E no meio desse redemoinho de idéias, abro os olhos.
E não vejo mais escuridão. Não vejo mais a trama escura do capuz.
Enxergo simplesmente uma lâmpada no teto. De poucos watts, do jeito que eu gosto, baixa iluminação no meu quarto. Meu quarto? Este teto que vejo à minha frente está descascado igual ao teto do meu quarto, isso quer dizer que... Dou um salto e constato que estava deitado na minha cama!
Minha casa, minhas coisas. Minhas roupas sujas jogadas displicentemente no chão, caixas de pizza vazias embaixo da cama, poeira nos poucos móveis que tenho, o pratinho do meu cachorro cheio de ração e a televisão ligada passando... Jogo de futebol! Piririca da Serra futebol clube versus Quinta de Jaúma, o jogo daquela quarta –feira que eu acreditava ser minha última lembrança da minha vida normal!!!!!!!
Apalpo meu corpo e ele não é mais aquele esquelético de só comer sopa de folhas e beber água. Ele está do jeitinho que era antes do longo período encarcerado.
Foi tudo um sonho! Um maldito pesadelo! Que coisa mais horrível!
Acho que vou jogar uma água no rosto, só pra me certificar que estou mesmo acordado...
Entro no banheiro, abro a torneira da pia e, com a mão em concha, jogo uma boa quantidade de água no rosto. Ah, que sensação maravilhosa! Com as pontas dos dedos sinto meus lábios, meu nariz, meus olhos, minha barba por fazer... Tudo bem diferente do tecido grosseiro do capuz.
Mas ao olhar meu rosto no espelho, logo abaixo do meu queixo, assim, na base do pescoço, vejo sulcos profundos e bem arroxeados, como se fosse a marca de uma corda bem apertada que esteve lá durante meses...

Um comentário:

Anônimo disse...

Viziiii Maria!
Se isso não foi um sonho "esse é do rocha mesmoooo".
Uma hora pensei que ela estava em um spa...até ia pedir o endereço pq estou precisada em perder uns quilinhos...rs
Queremos textos do Perro!
Queremos textos do Perro!
Ah! E do Minduim tb!