segunda-feira, abril 24, 2006

Gatas e cães - por Rodrigo Pinto

Não foi nada fácil. Cheguei perto do guichê e comprei passagem para o ônibus das 23h30. Prefiro viajar à noite, tomar uns tragos e dormir, então só de manhã, quando o sol bater no meu rosto, levantar, enxugar a baba que escorreu pra bochecha, ir até o banheirinho apertado, escovar os dentes e abrir um livro, ou ouvir um som. Rodoviária lotada, famílias inteiras chegando do nordeste, com bebês chorando. Jovens mochileiros, saindo por aí, em outra cidade, em outro país. Vendedores de bugigangas, e cafajestes aplicando o conto do vigário. Gente ignorante, e gente interessante, misturando-se naquele porto de embarque e desembarque de sonhos. Meti a passagem no bolso da calça jeans, e fui comprar uma cerveja. No meio do caminho, um casal de hippies me oferece artesanatos, mínimas esculturas de durepox, arame e miçangas. Tinham talento de sobra aqueles dois. Vi uma réplica miniaturizada do Bob Marley, idêntica ao original, com os dreads caindo nos olhos, a mão na testa, violão pendurado no pescoço e expressão de fé. Mesmo assim, passei batido e fui tomar minha gelada. Ainda faltavam 2 horas pra sair o ônibus, e eu não estava afim de gastar meu (pouco) dinheiro comprando bonequinhos de maconheiro. Saí da rodoviária e fui até o Sol Nascente Bar. Logo na entrada, um mendigo bêbado deitado no chão, com a cabeça apoiada num saco de gelo, e um pequeno fio de sangue escorrendo pela calçada. O tombo deve ter sido feio. Chutei-o para o lado e entrei, procurando uma mesa nos cantos. Sentei, e logo veio a cerveja gelada, com uma barata morta esmagada, grudada no fundo da garrafa. Enchi o copo americano, e tomei vários goles de uma vez. Reparei numa garota loira, olheiras fundas e cabelo despenteado, vestida com uma saia preta e meia calça, uma camisetinha do Ramones e jaqueta cor de nada. Ela comia com vontade um misto frio, e me observava a cada mordida. Ao lado dela, uma pequena mochila ocre, costurada à mão. Levanto e vou até ela, ofereço um cigarro e pergunto seu nome. Mal humorada, cospe um naco de presunto na minha cara, levanta e me chuta a canela. Maldita vadia, sem pensar agarro-lhe pelos cabelos e beijo sua boca com vontade. Uma mordida violenta me sangra o lábio e escurece a visão. A loirinha era nervosa. Sacudo a cabeça, e com uns guardanapos enxugo o sangue que corria quente e me manchava a camiseta. Com a outra mão, dou um tapa violento no rosto dela, que dessa vez cuspiu um dente no chão. Me olhou e sorriu, com a boca igualmente sangrenta. Aceitou o cigarro, pagou seu lanche e saiu. E eu continuei a tomar minha cerveja, agora com gosto de sangue. Fiquei pensando naquela garota, que começa uma briga e sai fora com um sorriso. Coisa estranha, que só acontece naquele boteco sujo. Me lembrava alguma coisa de um filme espanhol que eu havia assistido semanas antes. No roteiro, a garota personagem principal era uma junkie de classe média, que saía toda noite pelas ruas pra arrumar confusão e causar por aí. Um dia ela encontrou um vira-lata sujo, e dividiu uma cocada com ele. O cachorro lambeu sua mão, e juntos dormiram na sarjeta. Ela acordou sem uma orelha, e amaldiçoou o canino. Quando levantou e viu o corpo atropelado do sabujo, chorou. E nunca mais se drogou. Filme legal. Pensando nessas besteiras, quase perco o ônibus. Levantei-me e corri, nem paguei as cervejas. Cheguei na rodoviária em cima da hora, o motorista me xingando, pois só faltava eu. Todos já estavam em seus lugares. Caminhei até a poltrona 65, e para minha surpresa, no assento 66, lá estava ela. A loirinha banguela. Quando me viu, tremeu. Sentei ao lado dela e fingi não reconhecê-la. Ela tirou uma garrafa de vinho da bolsa e abriu, me oferecendo um gole. Não trocamos uma só palavra. Nos embebedamos e dormimos juntos, profundamente. Acordei cedo e ela não estava mais lá. Nunca mais a vi. Nem sei se um dia ela existiu. Olhei pela janela e um cachorro vira-lata, sentado na beira da estrada, olhava nos meus olhos. Tinha na boca uma orelha humana. Me acompanhou com os olhos até o ônibus sumir na estrada, levantando poeira e soltando uma fumaça suja e fedida pelo escapamento.

5 comentários:

Anônimo disse...

Caraca q brisa foi essa??? Fumou qtos charutos do bob?? kakakakakaka

Muito loko esse texto ... haha

Anônimo disse...

Que imaginação fértil rapaz...

Anônimo disse...

Bem surreal o cachorro que como orelhas...adorei!

Anônimo disse...

Looks nice! Awesome content. Good job guys.
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Anônimo disse...

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