terça-feira, março 14, 2006

Roniel acordou meio zonzo, sentindo um cheiro pútrido no ar, não se lembrando muito bem do que havia acontecido. Olhou em volta, e surpreso, percebeu que havia adormecido num banheiro público. Enormes poças de urina e montes de fezes espalhados pelo chão, portas rabiscadas e torneiras secas nas pias manchadas. Espelhos quebrados, moscas e trapos de roupas num canto do aposento. Pequeno, deveria ter uns 10m², uns 3 boxes, 3 mijadores presos à parede e 2 pias. Levantou-se, respirou fundo e se arrependeu. Cheio de náuseas, levou a mão a boca e quase instintivamente correu para um dos boxes para vomitar. Quando abriu a porta suja e quebrada, as dobradiças rangendo, seus ouvidos captaram outro som que desviou sua atenção e reteve o mal estar. Um choro. Baixinho e sofrido, mas com certeza havia alguém chorando ali por perto. Então Roniel parou. Apurou os sentidos e tentou decifrar de onde vinha aquele som triste. Ouvia o zumbido das enormes moscas varejeiras, e também o pinga-pinga de uma goteira. Sentindo a cabeça doer, voltou a ouvir o gemido, algo como uma criança sozinha no escuro que sentia falta de seus pais. Tentou localizar mais uma vez, mas cada vez que achava que estava se aproximando, o choro parava. Intrigado, começou a abrir os boxes um por um, e a espiar em busca de quem chorava daquela maneira, pausada e ritmada, que o levava a querer cada vez mais encontrar o dono daquela agonia e aflição. Uma lâmpada piscava, falhando. No primeiro boxe, nada além de sujeira, muita sujeira. No segundo boxe, a mesma coisa, e também no terceiro. Foi quando ele ouviu mais uma vez, claro como se estivesse ao seu lado. Girou o corpo em silêncio, e procurava atento. Nada além dele mesmo. O choro persistia, e parecia vir de dentro dele. Parou. Refletiu e percebeu que era de lá mesmo. O choro vinha do seu coração. Estava delirando, ou sentia seu coração chorar? Ouvia cada batida, cada soluço, do seu próprio ser, causando aquele desconforto involuntário. Tapou os ouvidos e correu, fugindo da sua própria dor. Esqueceu-se completamente de onde estava, e ao sair do banheiro, a luz do sol cegou-lhe momentaneamente. Ouvia buzinas e motores roncando, poucos pássaros gorjeavam, e aos poucos, recuperando sua visão, viu a praça. Estava no centro da cidade e os mendigos olhavam com curiosidade. Os trabalhadores, apressados, não notaram a presença daquele jovem ali, esfregando os olhos, com as calças sujas e amarrotado. Ouviu ao longe o sino da igreja bater 7 vezes. Sete horas. A noite devia ter sido horrível, não sabia dizer, não queria se lembrar. Ajeitou a blusa, revirou os bolsos e encontrou pouco dinheiro, o suficiente para um maço de cigarros. Foi o que fez. Comprou cigarros, acendeu um deles numa bituca que ainda fumegava no chão próximo ao ponto de ônibus, e ali encostou, esperando respostas para mudas perguntas que não queria fazer.

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