quinta-feira, março 16, 2006

VIDA (SUR)REAL

Sim, chove horrores. Ventos frios e relâmpagos que clareiam as poças no chão, dando a impressão de que são pequenas lâmpadas escondidas sob o asfalto. Olho pra elas, e me vejo refletido a cada raio cuspido do céu. Me lembrava da minha infância, quando a cada relâmpago, era um pulo. Assustava mesmo, que nem cachorro vagabundo quando você bate o pé no chão. Sendo assim, naquela tarde de quinta-feira, eu esperava o aguaceiro dar um tempo para eu correr até a estação do metrô. Precisava ir embora, queria ir pra casa. Ao meu lado, um mendigo fedendo a mijo tentava acender uma bituca de cigarro úmida. Sem sucesso, praguejava. E peidava. Estava ficando insuportável, mas tava realmente chovendo muito. Cada rajada de vento fazia com que eu me protegesse mais naquele toldo de loja de 1,99, fechada aquele horário. Segurava uma pasta como se contivesse documentos importantíssimos, valiosas ações do Banco Internacional da Cochinchina. Mera ilusão, era apenas um livro de contos de terror. Na falta do que fazer, abri no conto número sete, que não me lembro o nome e comecei a lê-lo. Contava a história de uma menininha mimada que gostava de grudar chiclete no cabelo das outras meninas. Ela ria maléficamente, e no outro dia ria mais ainda ao encontrar a amiguinha de corte de cabelo novo, tipo joãozinho. Mas toda noite ela sonhava. Sonhava com uma estrada escura e molhada por uma tempestade. Olhei ao redor e me achei em situação parecida. Durante a noite, ela sempre visitava a tal estrada e corria, corria mas não achava nada. Seus pais tinham grana, o pai era matador de aluguel e a mãe, diretora de uma empresa de cosméticos transgênicos. Numa noite dessas, a menininha foi acordada pela mãe, que dizia que elas precisavam fugir. Assustada, enrolou-se numa toalha e saíram pela porta da frente. "Onde está o papai?" – ela perguntava, e a mãe nada respondia. Chovia forte aquela noite e as duas entraram correndo no carro. A mãe deu a partida e acelerou forte, fazendo com que a garota se assustasse. Fez uma curva arriscada e pisou fundo em direção a estrada próxima. Passaram por viaturas de polícia com sirenes ligadas. Estavam saindo da cidade, quando a menininha reconheceu a estrada dos sus estranhos sonhos. A chuva. O asfalto molhado. As poças brilhando com os raios. Ela não acreditava. A mãe estava descontrolada e não falava palavra alguma.
De repente, escutei o mendigo vomitando, e com raiva fechei o livro e chutei seu estômago. O desgraçado vomitou até as tripas e desmaiou. A chuva havia parado. Guardei o livro e segui meu caminho, pela rua escura e molhada. Pára um carro do meu lado. Olho e vejo uma mulher no volante. Havia uma garotinha do lado. Me chamaram , como para pedir uma informação. Ao me aproximar do automóvel, fui surpreendido com um chiclete no cabelo. O carro acelerou e foi embora.
Estranhei, mas parei num sebo e troquei o maldito livro por uma revista de surf. Quando abri a primeira página, uma viatura passa a toda pela rua, bem em cima de uma poça, levantando uma onda que me encharcou dos pés à cabeça. Continuei meu caminho e tive a impressão de escutar um mendigo rindo alto.

2 comentários:

Minduin disse...

uma mistura de Voltaire de Souza com Stephen King e uma pitada de Thompson...
vc tá se superando cara, gostei heheheheheheheheheheheheheeh

Anônimo disse...

A-do-re-i!!! Sou suspeita para falar de você, me tornei sua fã nº1...
Parabéns!!!