terça-feira, março 14, 2006
Texto de RODRIGO PINTO – parte II
Por mais estranho que parecesse, o tempo parecia não passar ali. As mesmas pessoas, os mesmo carros , o mesmo cheiro de pipoca que o carrinho parado ali do lado deixava escapar. Roniel continuava ali, indiferente à tudo que acontecia a sua volta. Sem perceber, já tinha ficado a maior parte do dia ali, encostado, pensando em devaneios e incertezas que afogavam o âmago do seu ser. Sempre alheio ao mundo real, Roniel resolveu mexer-se. Caminhou alguns passos, e avistou um local familiar. Não se lembrava de onde, mas reconhecia o local como se estivesse estado lá um dia antes. Entrou e logo o aroma de bebida alcoólica invadiu suas narinas , fazendo-o desejar mais um pouco. Estava num bar, escuro e malcheiroso. Sim, ele estivera ali na noite anterior, porém seus atos e palavras eram-lhe desconhecidos. Sentiu o estômago arder e percebeu que não se alimentava à algum tempo. Lembrou-se de quando morava com sua família, da mesa cheia das coisas que mais gostava. Lombo assado, molho caipira e muitas azeitonas. Farofa fresquinha e cheirosa, salada de tomates e azeite de oliva. Arroz branco, fumaçando com cheiro de tempero de alho. Uma garrafa de cerveja estalando de gelada. Gostava de Skol, era sua preferida. Maldita cerveja, maldita bebida. Porque se apoderara dele? Porque fez com que abandonasse tudo, e preferisse se apoiar num copo cheio? Quando voltou a realidade, estava sentado numa cadeira ao fundo do boteco e o dono lhe indagava:
Como tem coragem de voltar aqui Roni?
Me traz uma cerveja - respondeu sem emoção.
O homem resmungou algo, mas voltou para o balcão, abriu a geladeira com estrépito e jogou a cerveja na mesa de Roniel, com um copo visivelmente mal lavado. Não estava a fim de conversa, mas achava estranho como o sujeito tinha a manha de voltar ali, depois de tudo que ocorrera poucas horas antes. Mal sabia que Roniel sequer lembrava. Este, porém, havia prestado atenção na pergunta do dono do bar, que se chamava Péricles. Encheu o pequeno copo americano, sem ligar para as marcas de dedos e gordura que envolviam as extremidades do objeto. Tomou um grande gole, que lhe molhou a garganta e chegou ao estômago como uma ducha fria num dia de verão. Perdeu completamente a fome, e já se entregava novamente ao seu vício. Mais uma vez reviu a figura de Péricles lhe perguntando como tinha coragem de voltar lá. Ele era freguês naquela merda, porra. Ia sempre encher a cara naquela espelunca. Devia um pouco de dinheiro ali, mas sempre que sobrava algum, deixava na mão do Péricles. O que havia de errado na presença dele ali, naquele dia estranho? Não se lembrava de praticamente nada, apenas do choro estranho que ouviu quando despertou. Foda-se, pensou e tornou a encher o copo. O corpo queria mais álcool e a mente, respostas. Acalmou-se e tentou reviver os fatos. Nada, a cabeça doía. Olhou em volta e reconheceu um sujeito que dormia apoiado nos braços na mesa ao lado do banheiro. Viu a máquina de caça-níqueis, e num flash, viu a si mesmo colocando umas moedas ali. " Agora vai" , via-se dizendo e rindo á toa, com um copo cheio numa das mãos, e a outra envolta numa cintura de mulher. Quem era ela? Parou, e tentou visualizar o rosto. Não conseguia. Acendeu um cigarro e tragou profundamente. Soltava a fumaça e a observava subir, vagarosamente, iluminada pela fresta de luz que passava por uma das janelas encortinadas. Lembrava uma neblina densa e sombria, um reflexo do que faz mal. Sorriu e tragou novamente. Gostava de se fazer mal, curtia se acabar, achava que merecia. "Me dá um cigarro?" – viu o rosto de um moleque, 18 ou 19 anos, o que fazia no bar aquela noite? Voltou a observar a fumaça e as lembranças apareciam aos poucos, quem seria o moleque? Quem era aquela mulher que ele abraçava? Provavelmente dois bêbados que estavam por ali, curtindo se matar também. Curtindo a noite. Perigosa e cheia de armadilhas, porém muito atraente. Assim como aquela moça. Que cintura bela. Parecia vê-la ali mesmo, na sua frente, mas faltava-lhe o rosto. Fechou os olhos, mas não conseguiu. Só viu o salão cheio, risadas, fumaça e o barulho de copos brindando. Abriu os olhos e sentiu-se tonto. Virou a garrafa vazia no copo também vazio, e chamou por Péricles. Quantas vezes havia repetido esse gesto na noite anterior? Não se lembrava, mas o homem já vinha com outra garrafa cheia, e bateu-a na mesa com força. Roniel reparou que ele gostava de intimidar os clientes, sentia-se mais dono do bar. Riu do próprio pensamento e acordou o homem que estava na outra mesa, que levantou a cabeça e espiou. Roniel o reconheceu, "ele estava ali ontem", pensou. De fato, a aparência do sujeito era de quem havia dormido por ali mesmo, com uma maleta na cadeira do lado e um prato sujo de farelos à sua frente. O homem deu um longo bocejo e voltou a se apoiar nos braços sobre a mesa, ao mesmo tempo que a porta do bar se abria, enchendo o ambiente de claridade e de sons da rua. Entraram duas pessoas, uma velhota carregada de maquiagem, e uma linda moça, com vestido discreto e sandálias de dedo. Sentaram-se perto da janela e Péricles foi solícito e simpático, trazendo uma enorme garrafa de vinho e duas taças. Roniel nunca as havia visto por ali, apesar de lhe parecer que eram freguesas de longa data, pelo jeito com que foram tratadas, sendo servidas sem pedir nada. As duas encheram as taças e começaram a beber, papeando. De sua mesa escondida, Roniel não conseguia ouvir a conversa e nem queria. Começara a sentir novamente aquela dor incomoda no estômago, de quem não se alimentava há dias. Dessa vez não lamentou-se lembrando de sua casa, mas esforçava-se para saber quando e o que havia sido sua última refeição. Não podia forçar a mente, que sentia forte enxaqueca, " as lembranças tem que vir naturalmente" - pensou.
Mais de duas horas depois, Roniel já havia tomado mais de 6 garrafas de sua Skol gelada, a preferida, e as idéias já estavam desordenadas, porém, como o bar não parava de encher, deciciu não se levantar. Havia algo estranho, todos agiam como se ele não estivesse lá. Parecia invisível, ou desprezível. Mas no fundo sabia que algo iria acontecer.
Por mais estranho que parecesse, o tempo parecia não passar ali. As mesmas pessoas, os mesmo carros , o mesmo cheiro de pipoca que o carrinho parado ali do lado deixava escapar. Roniel continuava ali, indiferente à tudo que acontecia a sua volta. Sem perceber, já tinha ficado a maior parte do dia ali, encostado, pensando em devaneios e incertezas que afogavam o âmago do seu ser. Sempre alheio ao mundo real, Roniel resolveu mexer-se. Caminhou alguns passos, e avistou um local familiar. Não se lembrava de onde, mas reconhecia o local como se estivesse estado lá um dia antes. Entrou e logo o aroma de bebida alcoólica invadiu suas narinas , fazendo-o desejar mais um pouco. Estava num bar, escuro e malcheiroso. Sim, ele estivera ali na noite anterior, porém seus atos e palavras eram-lhe desconhecidos. Sentiu o estômago arder e percebeu que não se alimentava à algum tempo. Lembrou-se de quando morava com sua família, da mesa cheia das coisas que mais gostava. Lombo assado, molho caipira e muitas azeitonas. Farofa fresquinha e cheirosa, salada de tomates e azeite de oliva. Arroz branco, fumaçando com cheiro de tempero de alho. Uma garrafa de cerveja estalando de gelada. Gostava de Skol, era sua preferida. Maldita cerveja, maldita bebida. Porque se apoderara dele? Porque fez com que abandonasse tudo, e preferisse se apoiar num copo cheio? Quando voltou a realidade, estava sentado numa cadeira ao fundo do boteco e o dono lhe indagava:
Como tem coragem de voltar aqui Roni?
Me traz uma cerveja - respondeu sem emoção.
O homem resmungou algo, mas voltou para o balcão, abriu a geladeira com estrépito e jogou a cerveja na mesa de Roniel, com um copo visivelmente mal lavado. Não estava a fim de conversa, mas achava estranho como o sujeito tinha a manha de voltar ali, depois de tudo que ocorrera poucas horas antes. Mal sabia que Roniel sequer lembrava. Este, porém, havia prestado atenção na pergunta do dono do bar, que se chamava Péricles. Encheu o pequeno copo americano, sem ligar para as marcas de dedos e gordura que envolviam as extremidades do objeto. Tomou um grande gole, que lhe molhou a garganta e chegou ao estômago como uma ducha fria num dia de verão. Perdeu completamente a fome, e já se entregava novamente ao seu vício. Mais uma vez reviu a figura de Péricles lhe perguntando como tinha coragem de voltar lá. Ele era freguês naquela merda, porra. Ia sempre encher a cara naquela espelunca. Devia um pouco de dinheiro ali, mas sempre que sobrava algum, deixava na mão do Péricles. O que havia de errado na presença dele ali, naquele dia estranho? Não se lembrava de praticamente nada, apenas do choro estranho que ouviu quando despertou. Foda-se, pensou e tornou a encher o copo. O corpo queria mais álcool e a mente, respostas. Acalmou-se e tentou reviver os fatos. Nada, a cabeça doía. Olhou em volta e reconheceu um sujeito que dormia apoiado nos braços na mesa ao lado do banheiro. Viu a máquina de caça-níqueis, e num flash, viu a si mesmo colocando umas moedas ali. " Agora vai" , via-se dizendo e rindo á toa, com um copo cheio numa das mãos, e a outra envolta numa cintura de mulher. Quem era ela? Parou, e tentou visualizar o rosto. Não conseguia. Acendeu um cigarro e tragou profundamente. Soltava a fumaça e a observava subir, vagarosamente, iluminada pela fresta de luz que passava por uma das janelas encortinadas. Lembrava uma neblina densa e sombria, um reflexo do que faz mal. Sorriu e tragou novamente. Gostava de se fazer mal, curtia se acabar, achava que merecia. "Me dá um cigarro?" – viu o rosto de um moleque, 18 ou 19 anos, o que fazia no bar aquela noite? Voltou a observar a fumaça e as lembranças apareciam aos poucos, quem seria o moleque? Quem era aquela mulher que ele abraçava? Provavelmente dois bêbados que estavam por ali, curtindo se matar também. Curtindo a noite. Perigosa e cheia de armadilhas, porém muito atraente. Assim como aquela moça. Que cintura bela. Parecia vê-la ali mesmo, na sua frente, mas faltava-lhe o rosto. Fechou os olhos, mas não conseguiu. Só viu o salão cheio, risadas, fumaça e o barulho de copos brindando. Abriu os olhos e sentiu-se tonto. Virou a garrafa vazia no copo também vazio, e chamou por Péricles. Quantas vezes havia repetido esse gesto na noite anterior? Não se lembrava, mas o homem já vinha com outra garrafa cheia, e bateu-a na mesa com força. Roniel reparou que ele gostava de intimidar os clientes, sentia-se mais dono do bar. Riu do próprio pensamento e acordou o homem que estava na outra mesa, que levantou a cabeça e espiou. Roniel o reconheceu, "ele estava ali ontem", pensou. De fato, a aparência do sujeito era de quem havia dormido por ali mesmo, com uma maleta na cadeira do lado e um prato sujo de farelos à sua frente. O homem deu um longo bocejo e voltou a se apoiar nos braços sobre a mesa, ao mesmo tempo que a porta do bar se abria, enchendo o ambiente de claridade e de sons da rua. Entraram duas pessoas, uma velhota carregada de maquiagem, e uma linda moça, com vestido discreto e sandálias de dedo. Sentaram-se perto da janela e Péricles foi solícito e simpático, trazendo uma enorme garrafa de vinho e duas taças. Roniel nunca as havia visto por ali, apesar de lhe parecer que eram freguesas de longa data, pelo jeito com que foram tratadas, sendo servidas sem pedir nada. As duas encheram as taças e começaram a beber, papeando. De sua mesa escondida, Roniel não conseguia ouvir a conversa e nem queria. Começara a sentir novamente aquela dor incomoda no estômago, de quem não se alimentava há dias. Dessa vez não lamentou-se lembrando de sua casa, mas esforçava-se para saber quando e o que havia sido sua última refeição. Não podia forçar a mente, que sentia forte enxaqueca, " as lembranças tem que vir naturalmente" - pensou.
Mais de duas horas depois, Roniel já havia tomado mais de 6 garrafas de sua Skol gelada, a preferida, e as idéias já estavam desordenadas, porém, como o bar não parava de encher, deciciu não se levantar. Havia algo estranho, todos agiam como se ele não estivesse lá. Parecia invisível, ou desprezível. Mas no fundo sabia que algo iria acontecer.
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