quinta-feira, março 16, 2006

DEVER DO CIDADÃO

Enquanto esperava o ônibus, Varlei lia o jornal e mastigava um chiclete como um asno comendo capim seco. Chovia, e as pessoas espremiam-se sob a cobertura do ponto de concreto. No bar da esquina, Jackson e Bira disputavam uma partida e sinuca e vibravam a cada bola encaçapada. Varlei não conseguia se concentrar. Estava lendo as instruções para declarar o Imposto de Renda, porra. Coisa séria. E esses pinguços gritando e fazendo barulho. Varlei não havia concluído a sexta série. Tinha dificuldade com letras e números. "Mais uma!!" – gritava o Bira, e não sabia se comemorava a bola derrubada ou se estava pedindo mais uma dose de cachaça. Uma lufada de vento arranca o jornal das mãos de Varlei que corre atrás da folha na chuva. No mesmo momento, Jackson dá uma cusparada pra fora do bar, com raiva de estar perdendo a partida pro Bira. O catarro esparrama na cara do pobre Varlei que havia agachado pra recuperar seu periódico. Jackson ri. Bira ri mais ainda. O coitado do Varlei ali, todo molhado, com catarro escorrendo pela testa e pendurado nos cílios, agachado segurando a porra do jornal encharcado. Ele encara os dois:
Seus bêbados de merda, já declararam o imposto de renda? O governo fode vocês, seus idiotas. Penduram-se num copo de cachaça e esquecem dos seus deveres de cidadão.
E dizendo isso, vira-se e num passo em falso, tropeça na calçada e cai na sarjeta alagada e imunda. O ônibus vinha passando no mesmo momento. Passa por cima de Varlei. As pessoas no ponto se aglomeram na porta do coletivo para entrar e pegar um lugar pra sentar. E o Bira mata mais uma bola.

Um comentário:

Anônimo disse...

E o Bira mata mais uma enquanto dá de ombros aos seus deveres de cidadão....
Tadinho do Varlei!(remetendo a "Tadinha da Vaneça"...rs)