quinta-feira, março 30, 2006
Posso ir agora ? - texto de Rodrigo Pinto
Sobriamente, abotoou o casaco e protegeu-se do vento frio daquela manhã de 5feira. A passos largos, caminhava sem olhar para os lados, os pensamentos confusos e dispersos. O vento gelado deixava a ponta do nariz vermelha. Lágrimas geladas juntavam-se no canto dos olhos. O cabelo, despenteado. Não sabia onde ir, sabia que queria mais. O sol nascia devagar e alguns raios luminosos refletiam na calçada. Crianças de mãos dadas com os pais iam para o colégio, e homens de gravata e mulheres de sandálias esperavam o ônibus para ir trabalhar. Reparou num vira-lata velho, esperto nas ruas, que olhava para os dois lados antes de atravessar. Continuava a sua caminhada, e sorria ao ver um passarinho pousado no fio de alta tensão. Ao se aproximar de uma banca de jornais, parou. Desempregados liam as notícias do dia nos jornais pendurados na parte lateral da banca. Uma velhota comprava uma revista de fofocas, com fotos de gente rica e sorridente na capa. Parou, enfiou a mão no bolso de trás da calça e tirou um maço de cigarros amassados. Acendeu um, e continuou a caminhar. Passa por uma turma de punks sujos, que deviam ter passado a noite sentados ali mesmo, discutindo política e anarquismo, e bebendo uísque de procedência duvidosa. Um desses lhe pede um cigarro, ele nega. Lembra-se do caminho e vira à direita. Passa pela igreja onde as beatas disputam lugar com os mendigos na porta. Do lado, uma garotinha vendia flores. Revirou os bolsos, juntou umas moedas e comprou algumas. Sentiu-se ridículo carregando aquelas lindas e cheirosas rosas vermelhas, mas continuou seu caminho. Alguns nem o notavam, outros o estranhavam. O trânsito parado. Sirenes. Uma moto caída, e um carro importado com o pára-choque amassado. Um corpo no chão. Não parou pra ver quem era. Continuou a andar, jogando a bituca do cigarro no chão. Chegou na porta do cemitério. Respirou fundo e entrou. Passarinhos cantavam e o sol já esquentava as lápides. Abriu o casaco e do bolso tirou uma anotação que não conseguia ler. Andou algumas quadras, passou por um coveiro que ajeitava flores em uma tumba recém fechada. Deteve-se um minuto ali, e quando o funcionário se retirou, aproximou-se. Agachou, e depositou suas flores ali também. Reconheceu sua foto no mármore, que refletia o sol. Levantou-se assustado e correu. Voltou para o local do acidente que havia ignorado. Lá, a polícia havia coberto com um plástico preto o motoqueiro de má-sorte. Só conseguia ver os pés do cadáver. Parado ao lado do corpo, um jovem. Alto, jaqueta de motoqueiro. Calça jeans surrada. Calçava botas idênticas à do defunto. Estava pálido, parecia não entender onde estava ou o que se passava, alheio aos acontecimentos. Notou que o jovem observava tudo com medo. Caminhou até ele e então lhe ofereceu um cigarro. Do lado deles, uma menininha vendia flores, o cheiro de morte invadiu suas narinas. Seria o perfume daquela mulher, que apareceu de repente, toda de negro, que maldosamente sorria e lhe estendia um isqueiro?
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4 comentários:
Fala loko... muito brisa esse texto.. hehe, pô só não gostei da parte do motoqueiro, me deu até um calafrio.... credo !!
Beijaum !
Além de morto é porco... num gostei da bituca no chão... rs...
às vezes a paciencia chega, e eu vou até o fim... Mesmo em desagrado àquilo que eu chamo de preferência, eu leio e releio as fantasias que passam nessa cabeça inteligente e insensata.
Mas o que seria da literatura se a sobriedade reinasse soberana em nossas vidas?
E sempre há uma chance de acumular pontos no intelecto treinado a não lutar contra as regras do meu eu...
Hoje o estranho venceu...
Li e reli.
Beijos Rods...
Felicidades e sucesso!!
"I see dead people"
Me contaram que vc coloca a coberta entre seus olhinhos, e sussura isso um pouco antes de dormir, é verdade?!rs
O que eu gosto do seu texto é a riqueza de detalhes, por um momento eu me imagino lá. Mas confesso que nesse eu tava pensando que o cara que era o motoqueiro caído no chão....
Ai meu Deus! Será que entendi errado?!
Caraio, vou ter que ler de novo....
Eba!
Bjos
o começo me irritou um pouco, me lembrou o detalhismo de José de Alencar, um estilo de narrativa q nao me agrada. Continuei a leitura e a virada do história depois da tumba do cemitério me impressionou.
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